Era uma vez um botafoguense saudosista que sabia de cabeça a escalaçao de nossos antigos esquadroes, que chegava a cair lagrimas dos seus olhos quando lembrava de uma historia envolvendo o clube e que ficava revoltado com os jogadores atuais e parecia mais secar do que torcer. Esse era o meu pai.
Um sujeito frequentador do tricolor das laranjeiras, aonde viveu o clube,fez amizades que duraram para toda a sua vida, jogou futsal na infancia sendo campeao e viajando o Brasil com o tricolor e que mais tarde ja com os seus 48 anos virou diretor social do clube das laranjeiras. Aquele clube era a sua vida, eu mesmo fui criado ali dentro. porém uma coisa era bastante curiosa a respeito deste cidadao : Era botafoguense doente. Uma estrela solitaria no mundo das laranjeiras.
dizia a todos que seu clube era o Fluminense mas que seu time era o Botafogo a ponto de no fim da sua trajetoria neste mundo ter feito uma camisa metade alvinegra e metade tricolor. Mas por onde surgia esta paixao pelo Botafogo ? seus amigos, sua infancia e sua vida girava em torno da sede das Laranjeiras, porque era botafoguense e doutrinou seus filhos a seguirem a Estrela Solitaria ? a resposta é simples : Mané Garrincha.

Seus olhos se enchiam de lagrimas ao falar do anjo das pernas tortas.O Mané era seu maior idolo e odiava o Pelé por pensar que nosso Idolo era superior ao Rei do Futebol, e pelo fato de que Edson Arantes do Nascimento nao se lembrava quase nunca do seu ex companheiro de seleçao quando o perguntavam sobre os melhores jogadores da historia.
Garrincha era uma obsessao na vida deste botafoguense, frequentava o maracana na geral e ficava correndo ao redor do campo acompanhando nosso idolo. Nao gostava da Elza Soares e me repetia por quase toda minha vida a escalaçao dos esquadroes de 61/62, a historia do embate entre Garrincha e Gérson na qual o treinador rubronegro Flavio costa escolheu o canhotinha para marcar o Garrincha e o mesmo caiu em cima dos fotografos, a volta de uma excursao do Botafogo as pressas para enfrentar o Flamengo na final, a historia do goleiro Manga em que dizia que recebeu dinheiro do bicheiro Castor de Andrade para entregar uma partida contra o Bangu e que como consequencia teve que pular o muro de General Severiano fugindo dos tiros entre outros casos. Me disse tambem que viu nas Laranjeiras o surgimento de um novo craque, Jairzinho o Furacao. assistiu uma partida nas laranjeiras dos juvenis do Botafogo aonde Jairzinho arrebentou e pensou na mesma hora que estava ali o sucessor da camisa 7. Esse mesmo Furacao que virou nosso vizinho no bairro do Leme e que virou um dos seus companheiros de chopp e cliente em seu bar/restaurante.

As minhas primeiras lembranças acompanhando a Estrela Solitaria junto com essa figura foi exatamente na final de 1993 entre Botafogo x Penarol, me lembro de estar no seu colo passando pela roleta da tribuna e diferente da minha pessoa, ele era muito pé quente.
Depois daquela final passei a acompanhar o Fogao nos estadios junto a ele, me lembro de pegar as barcas para niteroi indo assistir aos jogos no nosso classico estadio Caio Martins. A ida ao Caio Martins me lembro que era ja uma festa, passava um aviao e os torcedores nas barcas gritavam” Fogo”. uma moda em que meu pai seguiu até o fim dos tempos, bastava passar um aviao até mesmo na praia que ele gritava “Fogo”. Me ensinou os primeiros palavroes quando me pegava no colo e cantava ” Chicao,Chicao, filho da puta, cabeçudo e orelhao ” . Lembro que ele cornetava tanto aquele atacante mas quando o mesmo foi negociado com o Bragantino ficou revoltado.
Nossa maior gloria foi a campanha de 95. Iamos a todos os jogos no Rio, Caio Martins, Maracana. Eu ficava triste porque no Maraca iamos nas cadeiras do anel inferior e eu como todo menino me encantava em olhar para cima e ver a arquibancada gritar e pular. Uma verdadeira festa nas arquibancadas e nos nas cadeiras, Ele com o seu cigarro olhando atentamente a partida e eu torrando a paciencia.
Me lembro de uma partida em especial, um Botafogo x Portuguesa.Dali saiu meu primeiro idolo : Tulio Maravilha
Os anos se passaram e entre festa de titulos como Brasileirao 95, Carioca 97, Rio Sao Paulo 98, reabertura da sede de General Severiano ( ele ficou muito revoltado porque viu o maestro Didi na portaria e achou que o mesmo estava trabalhando como porteiro ) e tristezas como a final da Copa do Brasil de 1999, rebaixamentos e times e idolos ruins, virei mais fanatico que ele e ao mesmo tempo em que eu me envolvia mais com o Botafogo, ele foi deixando o time de lado. Um saudosista que nao se conformava com tanto time ruim e novos idolos ruins que vestiam o nosso manto. Suas lembranças positivas do Glorioso o faziam chorar e assistir ao Botafogo “contemporaneo” o faziam tremer de raiva, e o Botafogo para ele acabou virando um pretexto para passar um momento comigo, num bar so nos dois. eu falando bem de certo jogador e ele rindo da minha cara e soltando o bordao ” aonde foi que eu errei ” . Seus ultimos craques contemporaneos foram Valber e Djair.
Eu Perguntava : Tulio ? e ele respondia ” a bola batia nele e entrava “
Loco Abreu ? ” caneleiro”
Maicosuel ” enganador”
Dodo ? ” Mascarado”
E assim é o torcedor da velha guarda alvinegra, colocando agua no nosso chopp e me fazendo rir entre criticas e ofensas aos times do presente e contando as mesmas historias do passado glorioso.
Hoje esse botafoguense nao esta entre nos, nosso papo era 60 porcento a respeito do Botafogo e pela distancia nossas ultimas conversas eram por emails ao inves do nosso tradicional papo no botequim. minhas ultimas lembranças sao nossas idas ao bar para assistir o Botafogo ou ate mesmo um Olaria x Volta Redonda. Um momento magico de pai e filho juntos pela mesma paixao a um time.De um lado o mais jovem que se iludia com “craques” nao tao craques assim e do outro um velha guarda que parecia a enciclopedia do Botafogo quando começava a falar dos feitos do glorioso. Um cidadao que viu nossa estrela brilhar, passou o bastao de torcedor para os 4 filhos e que decidiu pendurou as chuteiras quando viu que o momento era de Jobson e outros “novos idolos” .

Sua maior “alegria” ? ter comprado ingresso para final contra o Flamengo no Brasileirao de 92 e de nao ter ido porque minha mae o obrigou a levar os filhos para assistir um filme da Disney no cinema.Um Alivio
Dedico esta materia ao meu pai, uma pessoa do bem, meu idolo e alvinegro mais engraçado que conheci. Hoje olho o Botafogo e a primeira coisa que penso é nele. me fez ser Botafoguense sem nenhum esforço, no modo mais natural possivel e com muita camaradagem passamos pelos momentos mais memoraveis da minha vida. Por ele somos 3 irmaos Botafoguenses e por mim somos mais 2 irmaos mais novos botafoguenses. O Botafogo é assim, aonde o futebol se encontra com a vida e a vida nos presenteia com momentos unicos que passaremos de geraçao em geraçao.De uma forma pura, emocionante e cheia de nostalgias.
Gostei muito da sua crônica. Parabéns. Muito parecida com a minha estória e do meu pai. Me vi em vc e eu ainda sou da geração Mendonça, Alemão, Mirandinha e Perivaldo. Portanto me identifiquei também com o sentimento do seu pai quando os craques de hoje não se comparam aos que já tivemos. Abraço. Luis Eduardo, do Resenha Gloriosa.